terça-feira, 27 de abril de 2010

Porque eu deveria comprar a coletânea Assassinos S/A Vol II?

Por 21 motivos principais:

A Chacina
Carolina Luz
Aconteceu assim: jantávamos quando a campainha tocou. O som estridente do imprevisto, quebrando a rotina diária e tornado-se um presságio. Nunca recebíamos visitas, por isso o momento significou que algo estava tremendamente errado. Meu pai levantou-se preguiçosamente, disfarçando com cuidado o quanto a “novidade” era estranha. Alertou-nos que ficássemos quietos, ele voltaria logo mais. Não voltou. Demorou alguns instantes para que compreendêssemos o que acontecia. Nem a presença do vizinho deu o start no processo de entendimento. Quando o vimos, parado, com os olhos estalados e sujos de sangue, a veia do pescoço alvo saltada, azul e grossa, já era tarde. Com um movimento rápido, ele saltou para cima de minha mãe e de sua barriga, subindo e descendo um facão até então despercebido.

Clarisse
José Sérgio Bechler
Mas então Clarisse, você disse que iria embora, mudar de vida, e eu tive de fazer isso com você. Não houve alternativa, você jamais iria entender que nenhum outro lugar do mundo combina com você como aquele corredor visto pelo olho mágico, quando você chegava com seu passo torto, e eu a observava.

Crimes no Paraíso
Roberto Kusiak
Exaustos, adormeceram. Sonhou com uma voz gritando com ele, dizendo que era um pecador, um traidor. Aquela voz dizia-lhe que havia provado da fruta proibida. O céu escureceu, ouvia estrondos e aquela voz enfurecida chamando-o de desgraçado. Sentiu uma imensa dor na virilha. Um gosto amargo na boca, suas narinas queimavam. Tinha calafrios. Barulho de sirenes, gritos, passos apressados. A sensação de cair em um abismo sem fim voltou.
Abriu os olhos e só viu aquele clarão no céu, e alguém chamando seu nome, Adão! Adão!
Desfaleceu.

Margaridas no Céu.
Afobório
Andei até a cama, ele tentou sentar. Tinha um tubo na boca e um monte de esparadrapos que o impediam de falar. Estava com tantos fios ligados ao corpo que era difícil acreditar. Mesmo assim ele me alcançou sua mão. Percebi o esforço que fez para segurar com força, como sempre fizemos, desde pequenos. Aquilo me mostrou que Jerônimo não era perecível.
Depois de um tempo ele gesticulou, então eu entendi: ele queria as flores.

Melhor Amigo
Fabiano Cisticerco
Naquela manhã, estávamos resolvendo alguns exercícios que a professora havia nos passado, quando Roberto me chamou de retardado outra vez. Tony se enfureceu. Ficou louco. Pegou o lápis da minha mão e foi para cima do garoto. Enfiou o lápis no olho direito dele. Um grito ecoou pela sala de aula. No mesmo instante o sangue jorrou de seu rosto. Suas mãos pequenas cobriam suas vistas. O lápis perfurara seu olho. O sangue escorria entre seus dedos, descendo pelos seus braços.

Nossa Senhora do Bom Parto
Plínio Gomes
Percebi que, além dos gritos, ela chamava por nossa senhora do bom parto. Os cães latiam ao redor dela, e isso dava um ar nebuloso e de pavor ao beco. Sabia que ela estava em trabalho de parto, percebia como ela se contorcia. Mas eu não conseguia vê-la como um ser humano. Em minha viagem, ela era uma sombra louca da noite.

O Acerto de Contas
Bruno Borges
Ele perdeu a compostura e deu três voltas na manivela de meu braço esquerdo. Não foi o suficiente para quebrá-lo. O mecanismo movimentou o meu antebraço para baixo, enquanto a parte superior ficou presa. Nessa hora, ouvi um estalo vindo do meu cotovelo, e isso me deu um baita susto, principalmente quando vi o brilho em seus olhos. A dor só veio em seguida. Naquele momento notei algo extraordinário: eu havia transformado um pastor, um homem de Deus, em um demônio como eu. Era tarde demais para ele.

O Antipanegírico
Eduardo Miranda
Não falo polonês, embora possa identificar a língua. E aquelas pessoas se dirigiram a mim em polonês. Disso eu tenho certeza! Outra certeza que tenho é de que eles se enganaram. Foi um engano! Perguntaram em polonês, gritaram em polonês, apontaram-me uma arma polonesa, e dispararam tiros poloneses.
Certamente mataram o cara errado.

O Elo Perdido
Guilherme Lessa Bica
O padre a recebe de batina, nada embaixo da roupa. Ela dobra as pernas e encosta a cabeça no tapete vermelho do altar sem enxergar cristo pregado. Mastiga hóstias enquanto o padre ofega e pergunta, extasiado, corpo de cristo? corpo de cristo? corpo de cristo? e quase arranca os cabelos de Marcela. Não basta ela responder amém amém amém a todas as perguntas, ele tem que gozar. Marcela diz que ele demora porque come criancinhas, e elas não dão o retorno de um adulto ou adolescente quando penetradas. E o retorno, ela insiste, é o mais importante, é o que diferencia o sexo da simples procriação de outras espécies.

O Julgamento
George Ritter
Ela é inexpressiva. Calada, lustra o objeto metálico triangular. Atenta à sua ação repetitiva, aparenta não piscar. A mulher se estendeu em minutos sem nem olhar para Guilherme que, preso, tem uma sensação similar a embriagues. Nada o movia, mas sentia-se indo pra cá e pra lá.
Ela, em seu silêncio melancólico, afia o objeto. Seca com o punho as lágrimas, impulsionadas pela recordação do som do telefonema da polícia, da imagem do corpo morto e a descoberta do cartão, que a levou até o assassino.

O Multiplicador
Giselle Sato
Ainda usava as luvas, e o facão estava firmemente enrolado no plástico, guardado na sacola. Agora era a hora mais esperada. Quase em transe, subiu as escadas de madeira até os quartos e escritório. Abriu gavetas e armários, puxou caixas dos nichos, mexeu e remexeu em guardados. Compartilhou segredos e quase chorou, ao ler uma poesia escrita pela mulher que havia, literalmente, acabado de picotar.

O Trem e o Olhar do Carrasco
Jorge Dimas Carlet
Conforme o tempo passava, a ansiedade foi tomando seu espírito. Já estava naquele trem há um bom tempo. E nada do trem parar. Intrigado, arriscou perguntar à velha senhora o que acontecia. Esta limitou-se a dizer que não havia um destino final para a viagem, e que o trem só parava para que novos passageiros subissem. Ninguém descia. Atônito, deu-se por conta de que não tinha nenhuma passagem. Tampouco noção de para onde estava indo, nem porque embarcou. Desesperado, tentou lembrar-se de como chegou ali. Não conseguiu. Só havia uma solução. Descer na primeira oportunidade em que alguém embarcasse.

O Bocejo
Jana Lauxen
Foi trazida até o hospital por um policial da guarda ambiental, que a encontrou, já sem vida, em uma área suspeita de desmatamento. Trazia um ferimento grave na cabeça, muito provavelmente provocado por um forte e impiedoso golpe. Também estava cheia de escoriações, principalmente arranhões, e queimaduras na extremidade direita do corpo.
No entanto, o mais estranho era que, um pouco acima dos seios, havia uma marca que parecia feita a ferro em brasa.
Era a letra V.

O Bom Vizinho
Wilson Gorj
O vizinho sempre os convidava para jantar. Convite que, vez ou outra, aceitavam, mais por caridade que por educação. Tinham pena dele. Era um homem tão sozinho...
O casal também o considerava muito gentil, prestativo, inteligente. “O tipo de pessoa”, diriam mais tarde, “acima de qualquer suspeita”.
Ainda bem que a polícia não pensava assim.

Para logo, recomeçar
Danielle Sousa
Seus passos tímidos pararam num bar, próximo o bastante para se divertir. Calculou seu melhor sorriso pedindo uma bebida qualquer, já que não sentia a sede de antes. Não contou o tempo. Respirou fundo e olhou ao redor, muitos risos, muito álcool, muita mentira. Gostava dali.

Reflexo
Israel Teles
Cortando o silêncio da casa, a campainha soou. Levantou assustado e, com o livro em mãos, dirigiu-se para fora.
Então, ao abrir a porta, ele o viu atrás das grades do portão. Encharcado, vestia uma camisa vermelha com listras negras.
“O que você quer?” as palavras saíram numa mistura de incredulidade e desespero, enquanto ele apertava o livro contra o peito.
“Aquilo que você me roubou” respondeu sem ao menos levantar a cabeça.

Ron
Yubertson Miranda
Atentei-me, portanto, à sujeira que merece ser extirpada por não haver condições de reaproveitá-la. Nesses anos todos, me concentrei mais nessas porcarias. Elas mereceram toda minha dedicação. Sei que, ao limpá-las, sentia-me limpo também e deixava a população mais pura. Esse foi o meu objetivo: eliminar a sujeira que não se recicla.

Segundo Plano
Sidney Stadnik
Deu três passos rumo à porta, e já viu seu mascote felino, preto, vindo a rápidas passadas em sua direção. Jogou-lhe o pedaço humano, que rapidamente foi puxado para um canto, num gesto que demonstra o incontrolável instinto selvagem do animal. Logo depois, fechou a vítima na cabana e foi até a casa que havia na chácara, fazer o jantar.

Soldado Invernal
Jota Fox
- “Ei, Erick! Estas coisas... são... orelhas!?”
A voz veio do outro soldado, que cada vez se aproximava mais do alçapão. Eles haviam caído na armadilha. Estavam próximos o bastante e quase de costas. Mas a voz... era de uma mulher! Malditos shukrutz! Quase hesitei por um instante, por causa do meu contraditório e ainda enraizado aprendizado infantil sobre como tratar uma dama. Mas guerra é guerra! Aqui é matar ou morrer.

Um Anjo Redentor
George dos Santos Pacheco
O enfermeiro saiu da padaria e caminhou até o ponto de ônibus. A rua onde aconteceu a chacina ficava no caminho. Passou em frente e ficou observando a entrada do beco. Havia marcas de tiros nas paredes. A imagem das pessoas correndo lhe veio à cabeça. Lembrou-se de quando se fartavam com a comida que havia trazido. Aquela tinha sido mesmo a última refeição deles.

Uma Noite de Amor
Valdeci Ângelo Garcia
O cheiro nauseabundo e pestilento chegou até minhas narinas com mais força agora, talvez porque o frio passara e o sol já brilhava intensamente. Levantei a cabeça. No canto do quarto, ao lado de um velho guarda-roupa de portas quebradas, vi, num segundo que me pareceu a eternidade, um cadáver dependurado num dos caibros do telhado. Estava semimumificado – quiçá pelo clima seco daquelas paragens.

Vlad Tepes IV
Roberto Kusiak
A estrada estava deserta. Não havia som algum. Com aquele frio, não existia sequer um inseto para fazer fundo musical para a cena. Linda cena. Lembrei-me dos direitos humanos. Sim, dos humanos e dos direitos. Humanos direitos têm direitos. Vagabundo não é humano, é vagabundo. Ainda mais aquele fedorento, cuja ficha criminal gastaria uma caixa de folha para impressora matricial.